domingo, 17 de agosto de 2014

Onde começa o tal A M O R ?

O amor começa. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua cheia, depois de teatro e silêncio; começa em parques ensolarados, com a aproximação de dois cachorros curiosos, e seus donos, constrangidos, enlaçando as correias até que os corpos se aproximem e a faces ruborizem; começa com acidentes de automóvel, com a lataria arranhada, e a indignação dos motoristas que lentamente vai cedendo ao constrangimento e à solidariedade; e começa o amor em tardes de tédio, em que nos penduramos ao telefone para jogar conversa fora; o amor começa sem aviso, e às vezes lentamente vemos que se aproxima, como uma aranha caprichosa, subindo por nossos pés e pernas sem sinal de afetação até que resolva nos picar; o amor começa entre amigos que se conhecem há treze anos, e começa entre completos estranhos durante a multidão; às vezes com um esbarrão o amor começa; numa mancha de sorvete no queixo dela o amor começou; num trejeito, numa bebedeira; começa às vezes com violência, num ENCONTRO explosivo, em que se golpeiam os amantes até cederem a outros caprichos; o amor despista, finge que não é com ele, olha para o outro lado, espera que adormeçam e então começa; e começa no enlace de mãos no cinema, como videiras sedentas, enraizando-se umas às outras até que do seu fruto se faça o vinho; e nas bocas trêmulas o amor começa, e nas línguas delirantes; e nas noites do campo, quando só as estrelas brilham e o frio é glacial; quando ela pede para acender a lareira, e o fogo crepita, e se faz silêncio, e no silêncio ele percebe; o amor começa na praia, quando meio bêbados entram na água; em 30 segundos de coragem o amor começa; num ENCONTRO inesperado, na buzina do carro ao lado, ainda que ninguém o espere ele vem, e começa; durante as refeições e no intervalo delas, na pausa para o cafezinho durante uma risada o amor começa; num instante fora do tempo, que se perpetua; no encontro de olhos, num balcão de bar ou num banco de carro; numa expectativa; em palavras o amor começa, Desarticulando sujeito e objeto; numa janela de chat, numa tela iluminada, numa conexão que cai e se restabelece; sem palavras também, no olhar atônito do menino à professora; o amor começa num segundo de admiração, quando ele pela primeira vez bateu palmas para ela, e marejou; e quando ela notou uma falha na barba, e riu; e começa nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; no olhar de um Cristo crucificado, cheio de compaixão o amor começa; na epifania de anos de cumplicidade amiga; na gravidez; em apartamentos vazios, em visitas inesperadas; em jardins coloridos o amor começa; e em despensas vazias, e em copos de açúcar; no constrangimento do ELEVADOR o amor começa; num olhar sem pálpebras, que se prolonga durante toda a aula; na descoberta de um seio; no buraco da fechadura; com uma proibição o amor começa; num livro, num filme, numa canção, numa paixão compartilhada; na escansão do nome dela; em duas ou três sílabas arrastadas; ao vê-la acompanhada; ao vê-lo acompanhado o amor também enfim começa; no coração que dilata e tudo abarca; em Brasília o amor começa numa repartição ao pôr do sol; no Rio, numa pausa de botequim; em Belo Horizonte, num sarau bem degustado; em São Paulo, nas filas de gentes, automóveis e animais o amor, reprimido, também começa; uma carta perfumada e o amor começa; de manhã, de tarde, de noite; em dia útil; em dia inútil; plantão; férias; feriados; no desarme da primavera; à sombra do verão; no despetalar do outono; no aconchego do inverno; em todos os lugares o amor começa; a qualquer hora o amor começa; por qualquer motivo o amor começa; para terminar em todos os lugares e a qualquer minuto; para morrer e se tornar eterno, o amor começa.


Renato Essenfelder


domingo, 20 de julho de 2014

Desabafo.

Às vezes a gente decide ficar só, não por medo de se apaixonar, mas por já ter cansado demais o coração com promessas não cumpridas e partidas nunca retornadas. A gente cansa, cansa e cansa de sofrer demais. Chega uma hora que dá uma vontade de se meter embaixo do edredom e ficar encolhidinha na cama, e chorar baixinho, sem ninguém escutar. E por lá ficar, talvez para sempre. Falta de reciprocidade dói. Machuca. Corrói. Você chega a perder as esperanças de que um dia poderá ter alguém do seu lado. Alguém de verdade, que vai valer à pena cada momento sem ele. Mas às vezes dá uma vontade de não esperar. Cadê esse dia que nunca chega?! Só vejo partidas, partidas e partidas ao meu redor. Cadê aquele cara que me fará somente dele?! Parece que todo mundo prefere escolher outras pessoas que você acaba se perguntando "será que eu sou mesmo especial?", "será que eu sou tudo aquilo que falam?", "será que eu valho à pena a ponto de alguém me querer não por um dia, mas por uma vida inteira?". Não tem como essas indagações não pairarem na mente. Não por baixa auto estima, melancolia ou qualquer outra coisa, mas por experiência de vida mesmo. Não é possível que a gente não possa ser feliz. É pedir muito?! Bem, não deveria ser. Mas o que mais vejo são pessoas solitárias por aí. O que mais sinto é esse vazio da falta que você, seja lá quem for, faz na minha vida.

E por opção, sim, por opção mesmo, a gente decide ser fria. Decide não se envolver, afinal, quem garante que dessa vez possa ser?! É melhor não se iludir e ir sem expectativas alguma, do que quebrar a cara mais uma vez. Tem gente que coleciona carros em miniatura. Tem gente que coleciona chaveiros. Tem gente que coleciona carimbos no passaporte. Tem gente que coleciona sapatos. Tem gente que coleciona momentos. Eu coleciono cicatrizes. Não por querer, mas porque simplesmente, de um modo até meio cômico, é só o que acontece. Cicatrizes que se abrem inúmeras e incontáveis vezes, como se quisessem voltar a ser ferida. Dói. Sangrar dói. Cortar o dedo cozinhando, com a faca, dói. Agora imagina algo que você não pode pegar, não pode colocar um band aid, passar merthiolate e assoprar. Ele fica lá, latente. Tem horas que parece que nem tem ferida, nem tem dor. Mas de repente, a história se repete. E lá vamos nós sangrar de novo. Lá vamos nós chorar com essa dor que nunca passa. Lá vamos nós se fechar um pouco mais. E a cada vez que isso acontece, nos fechamos e nos fechamos e nos fechamos, até chegar um ponto em que simplesmente não dá mais. 

E desligamos a nossa humanidade, não porque somos fracos, mas porque já fomos fortes demais e a dor chegou em um ponto que não dá para suportar. É melhor ser frio, é melhor não se importar. E ter isso como opção não é fácil. Mas é melhor que sofrer. Qualquer coisa é melhor que sofrer. Quem gosta de sofrer, me diga?! Quem raios e cargas d'água adora ser rejeitado? Adora ser pisado? Adora ser humilhado? Adora ver a pessoa que gosta indo embora com outro? Quem gosta disso??? Me diga, me diga, me diga?! Se conhece alguém que gosta, por favor, coloque em uma camisa de força e leve para se tratar, porque uma pessoa assim definitivamente não deve ser normal. E se eu não desligar a minha humanidade, pode ser eu a ir em uma camisa de força.

Hoje eu decidi ser fria. Decidi não me importar. Decidi viver só por opção. E não me importo se não vão entender. O importante é estar em paz comigo. Se apaixonar, pra mim, é simplesmente punk. É dolorido. É cheio de partidas. E não quero que ninguém parta. Se é para partir, nem chegue. Não quero ausências. Quero presenças e apenas isso. Ou queria. Agora quero um coração sossegado. E uma promessa, que faço a mim mesma, de não sentir nada por ninguém mais. E espero cumprir.

Maya Quaresma

quarta-feira, 9 de julho de 2014